segunda-feira, julho 31, 2006

Carta de Calvino à Lutero

21 de Janeiro de 1545

Ao mui excelente pastor da Igreja Cristã, Dr M. Lutero,[1]

meu tão respeitado pai.

Quando disse que meus compatriotas franceses,[2] que muitos deles foram tirados da obscuridade do Papado para a autêntica fé, nada alteraram da sua pública profissão,[3] e que eles continuam a corromper-se com a sacrílega adoração dos Papistas, como se eles nunca tivessem experimentado o sabor da verdadeira doutrina, fui totalmente incapaz de conter-me de reprovar tão grande preguiça e negligência, no modo que pensei que ela merece. O que de fato está fazendo esta fé que mente sepultando no coração, senão romper com a confissão de fé? Que espécie de religião pode ser esta, que mente submergindo sob semelhante idolatria? Não me comprometo, todavia, de tratar o argumento aqui, pois já o tenho feito de modo mais extenso em dois pequenos tratados, em que, se não te for incomodo olha-los, perceberá o que penso com maior clareza que em ambos, e através da sua leitura encontrará as razões pelas quais tenho me forçado a formar tais opiniões; de fato, muitos de nosso povo, até aqui estavam em profundo sono numa falsa segurança, mas foram despertados, começando a considerar o que eles deveriam fazer. Mas, por isso que é difícil ignorar toda a consideração que eles têm por mim, para expor as suas vidas ao perigo, ou suscitar o desprazer da humanidade para encontrar a ira do mundo, ou abandonando as suas expectativas do lar em sua terra natal, ao entrar numa vida de exílio voluntário, eles são impedidos ou expulsos pelas dificuldades duma residência forçada.

Eles têm outros motivos, entretanto, é algo razoável, pelo que se pode perceber que somente buscam encontrar algum tipo de justificativa. Nestas circunstâncias, eles se apegam na incerteza; por isso, eles estão desejosos em ouvir a sua opinião, a qual eles merecem defender com reverência, assim, ela servirá grandemente para confirmar-lhes. Eles têm requisitado-me de enviar um mensageiro confiável até você, que pudesse registrar a sua resposta para nós sobre esta questão. Pois, penso que foi de grande conseqüência para eles ter o benefício de sua autoridade, para que não continuem vacilando; e eu mesmo estou convicto desta necessidade, estive relutante de recusar o que eles solicitaram.

Agora, entretanto, mui respeitado pai, no Senhor, eu suplico a ti, por Cristo, que você não despreze receber a preocupação para sua causa e minha; primeiro, que você pudesse ler atentamente a epistola escrita em seu nome, e meus pequenos livros, calmamente e nas horas livres, ou que pudesse solicitar a alguém que se ocupasse em ler, e repassasse a substância deles a você. Por último, que você escrevesse e nos enviasse de volta a sua opinião em poucas palavras. De fato, estive indisposto em incomodar você em meio de tantos fardos e vários empreendimentos; mas tal é o seu senso de justiça, que você não poderia supor que eu faria isto a menos que compelido pela necessitado do caso; entretanto, confio que você me perdoará.

Quão bom seria se eu pudesse voar até você, pudera eu em poucas horas desfrutar da alegria da sua companhia; pois, preferiria, e isto seria muito melhor, conversar pessoalmente com você não somente nesta questão, mas também sobre outras; mas, vejo que isto não é possível nesta terra, mas espero que em breve venha a ser no reino de Deus. Adeus, mui renomado senhor, mui distinto ministro de Cristo, e meu sempre honrado pai. O Senhor te governe até o fim, pelo seu próprio Espírito, que você possa perseverar continuamente até o fim, para o benefício e bem comum de sua própria Igreja.

[1] Nota do tradutor: o especial interesse por esta carta, pelo que sabemos, é que ela é a única que Calvino escreveu a Lutero.

[2] Nota do tradutor: pelo que parece Calvino se refere aos huguenotes que embora haviam assumido o compromisso com uma confissão de fé reformada, mas na prática ainda preservavam os ídolos, toda a pompa e ritual da missa católica romana. Esta prática evidenciava uma incoerência entre o ato e a convicção de fé.

[3] Nota do tradutor: Calvino se refere ao culto como uma confissão pública de fé.

Extraído de Letters of John Calvin: Select from the Bonnet Edition with an introductiory biographical sketch, pp. 71-73.

domingo, julho 30, 2006

Onisciência e soberania de Deus

Se Deus não sabe o que as suas criaturas farão, incluindo o homem, então, se inclui no universo um fator de incerteza e ao mesmo tempo inexplicável. É possível examinar este fator inexplicável? Podemos sustentar se, de fato, Deus não conhece as coisas que irão acontecer às pessoas que criou, pode Ele ainda pode governar o restante do universo de maneira ordenada? Não se pode de modo algum sustentar isto. Há uma maravilhosa coerência no curso do mundo; não se pode separar da forma que essa teoria o faz, uma parte do geral. Se Deus não sabe o que os seres humanos farão, então o curso de todo o mundo está envolto numa grande confusão. Então, a ordem da natureza deixa de ser algo ordenado.

Extraído de J.G. Machen, Visión Cristiana del Hombre, pp. 32-33.

Sola et tota Scriptura

Toda doutrina que pode ser ensinada aos teólogos também pode ser ensinada às crianças. Ensinamos uma criança que Deus é um Espírito, presente em todo lugar e que conhece todas as coisas; e ela consegue entender isto. Falamos lhe que Cristo é Deus e homem em duas distintas naturezas e uma pessoa para sempre. Isto para uma criança é leite, mas em si contêm alimento para os anjos. A verdade expressa nestas proposições podem ser expandidas ilimitadamente, e fornecer alimento para o mais alto intelecto por toda eternidade. A diferença entre o leite e o alimento reforçado, de acordo com esta concepção, é simples, é a distinção entre o maior e o menor desenvolvimento do conteúdo ensinado.

Extraído de Iain Murray, Preface in: Collected Writings of John Murray, vol. 1, p. xii.

Segurança eterna

Posso imaginar claramente o terror que deve infundir numa alma sensível ao sentir a insegurança de sua salvação, e estar constantemente consciente da terrível possibilidade de cair da graça, seguida talvez por uma longa e penosa vida cristã, como ensina o arminianismo. Pessoalmente, jamais pude abraçar tão aterradora doutrina que enche a alma de constantes e inexpressáveis dúvidas. Sentir que cruzo o tempestuoso e perigoso mar da vida dependendo para minha segurança final de minha traiçoeira natureza, produziria em mim uma perpétua insegurança. Não, eu melhor desejaria saber que a embarcação em que tenho confiado minha vida é apropriada para a navegação e que, a embarcar nela, haverei de alcançar seguramente meu destino.

Extraído de N.S. McFetridge, Calvinism in History, vol. 2, p. 112

Vida eterna?

Se a teoria arminiana estiver correta, de que um crente que nasceu de novo pode perder a fé e condenar-se, então, a última coisa que poderia ser dita é que o crente possuí vida eterna. Poderia ser dito que o crente possuí vida boa, ou vida santa, ou vida sobrenatural, ou vida feliz; mas nunca poderia se dizer que possuí vida eterna. Porque segundo o arminiano não possuí vida eterna. Possuí uma vida temporal, vida momentânea, vida finita, mas não uma vida que nunca termina.

Extraído de Edwin H. Palmer, Doctrinas Claves, p. 126

A permanente graça de Deus

Deus não foi induzido a dar a sua graça ao pecador, em primeira instância por haver visto algo meritório, ou atrativo no pecador que se arrepende; portanto, a subsequente ausência de todo bem no pecador não pode ser um motivo novo para que Deus retire dele a sua graça. Quando Deus conferiu a sua graça ao pecador, ele sabia perfeitamente que o pecador era totalmente depravado e odiável; portanto, nem a ingratidão, nem a infidelidade por parte do pecador convertido pode ser motivo que induza a Deus de mudar de opinião, ou seja, para retirar sua graça. Deus disciplinará tal ingratidão e infidelidade retirando temporariamente o seu Espírito, ou suas misericórdias providenciais; mas se o seu propósito desde o princípio não fosse de suportar tais pecados e perdoá-los em Cristo, ele não teria sequer chamado ao pecador. Em outras palavras, as causas pelas quais Deus determinou conferir o seu amor eletivo ao pecador se encontram totalmente Nele, e não no crente; consequentemente, nada no coração, ou na conduta do crente pode finalmente alterar esse propósito divino.

Extraído de R.L. Dabney, Lectures in Systematic Theology, pp. 690-691.

sexta-feira, julho 28, 2006

Perecerão os que nunca ouviram o evangelho?

Todos os homens são culpados diante de Deus por duas causas. Primeiro, por causa do pecado de Adão, que foi imputado a todo o gênero humano; e segundo, por causa dos próprios pecados cometidos ao transgredir a lei de Deus. A única forma em que os pecadores podem ser livres da culpa é por meio de sua fé em Cristo Jesus. Mas, e aqueles que nunca ouviram falar de Cristo e, portanto, não podem crer nEle? Estão perdidos? Perecerão no Inferno? A resposta de Paulo é: sim! Pois como explica em Rm 10:14-17, a menos que o Evangelho seja pregado aos perdidos (isto inclui a todos os perdidos, tanto pagãos como os judeus), e estes creiam nEle, eles não poderão escapar da ira de Deus. Referindo-se a Cristo, Pedro declara: “e não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12, ARA).

Aqueles que não viveram debaixo da iluminação da Palavra de Deus, não serão julgados de maneira tão rígida como aqueles que viveram sob esta Palavra, entretanto, recusam ouvir as suas advertências e aceitar as suas promessas. Isto é o que Cristo nos ensina em Lc 12:47-48: “aquele servo, porém, que conheceu a vontade do seu Senhor, não se preparou, nem obedeceu conforme a sua vontade, receberá muitos açoites. Aquele, porém, que não soube a vontade do seu senhor e fez cousas dignas de reprovação levará poucos açoites. Mas àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão.” Como Hodge disse: “os homens serão julgados pela luz que desfrutaram individualmente. A base do juízo são as suas obras; a regra para julgá-los é o seu conhecimento.”[1] Sendo que os pagãos pecam contra Deus por transgredir a lei escrita em seus corações, é óbvio que perecerão, a menos que alguém lhes leve a mensagem de Cristo; pois, não há justificação para os pecadores, senão pela fé em Cristo. Deus salva aos seus escolhidos por meio do Evangelho de Jesus Cristo; e são chamados externamente pela mensagem evangélica e interiormente pelo Espírito Santo, que lhes capacita a crer na mensagem. “Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o principio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (2 Ts 2:13-14, ARA).

Há quem crê que aqueles que nunca ouviram o Evangelho não poderão ser condenados. O seu argumento é de que “Deus não pode ser tão injusto ao condenar para o Inferno aqueles que nunca tiveram a oportunidade de aceitar ou rejeitar a Cristo.” Todavia, os mesmos que assim falam defendem o envio de missionários àqueles que ainda não ouviram o Evangelho e que, segundo o seu ponto de vista, não podem ser condenados. Parece contraditório manter a idéia de que o paganismo está seguro porque não ouvem o Evangelho, e ao mesmo tempo apoiar o movimento missionário; pois se os pagãos não podem ser condenados sem antes ouvir o Evangelho, e se depois de haverem ouvido alguns deles o rejeitam, então, não devemos pensar que os missionários, em lugar de levar a esperança e possibilidade de salvação ao pagão, lhes levam somente a condenação para aqueles que rejeitam a Cristo depois de haver ouvido a mensagem? Mas como Paulo demonstra em Romanos, os homens se perdem não porque rejeitam a Cristo, mas por causa dos seus pecados. E, se vão crer no Evangelho de Cristo, que lhes liberta da culpa do pecado, deverão primeiro ouvi-lo. Portanto, o envio de missionários é absolutamente um imperativo, se quisermos que o incrédulo seja salvo.

A Escritura guarda silêncio quanto à salvação daqueles que são incapazes de compreender e crer no Evangelho (isto é, as crianças e os doentes mentais, etc.). Mas, é suficiente conhecer e saber que o Juiz do mundo fará o que é correto. Que estes necessitam da salvação está claro pelo fato de que a raça humana foi contaminada com o pecado de Adão (Rm 5:12-19); mas não nos diz nada a respeito da provisão feita por eles. Uma coisa é certa: se forem para o céu, terão que ir pelos méritos de Cristo, e não por serem inocentes, ou por estarem livres da culpa. Quando consideramos este assunto devemos ter em conta as palavras de Dt 29:29: “As coisas secretas pertencem ao SENHOR o nosso Deus; mas as reveladas são para nós e para os nossos filhos”.

[1] Charles Hodge, Romans, p. 53.

Extraído de David N. Steele & Curtis C. Thomas, Romanos Un Bosquejo Explicativo pp. 121-123.

Calvino sobre a Predestinação

Antes que o primeiro homem fosse criado, Deus por um decreto determinou o que aconteceria a toda a raça humana.

Através deste oculto decreto de Deus, foi decidido que Adão cairia do seu perfeito estado de sua natureza e arrastaria toda a sua posteridade em culpa e morte eterna.

Sobre o mesmo decreto penderia a discriminação entre o eleito e o réprobo: pois, alguns Ele para Si mesmo adotou para a salvação; no entanto, outros Ele destinou para a destruição eterna.

Apesar do réprobo ser vaso da justa vingança de Deus e, o eleito ser vaso de misericórdia, todavia, não há outra causa da discriminação encontrada em Deus, senão a sua simples vontade, a qual é a suprema regra de justiça.

Apesar disto, é pela fé que o eleito recebe a graça da adoção, todavia, a eleição não depende da fé, mas é anterior a ela em tempo e em ordem.

Portanto, a origem e perseverança da fé decorrem da gratuita eleição de Deus, sendo que nenhum outro é verdadeiramente iluminado com fé, nem são dotados com o Espírito de regeneração, a não ser aqueles que Deus tenha escolhido: mas, o réprobo inevitavelmente mantém-se em sua escuridão e distante queda da fé, mesmo que haja qualquer coisa boa nele.

Apesar de sermos escolhidos em Cristo, todavia, o Senhor que considera-nos entre os Seus, está ordenado para Si fazer-nos membros de Cristo.

Apesar da vontade de Deus ser a suprema e primeira causa de todas as coisas, e Deus dirigir o demônio e todos os ímpios segundo a Sua vontade, entretanto, a Deus nunca pode ser atribuído a causa do pecado, nem a autoria do mal, nem é Ele aberto para alguma culpa.

Apesar de Deus ser verdadeiramente hostil ao pecado e condenar todo a iniqüidade dos homens, pois lhe são ofensivos, todavia, não acontecem meramente pela Sua permissão revelada, mas pela Sua vontade e decreto secreto em que todas as coisas ocorrem e os homens são governados.

Apesar do demônio e réprobos serem servos e instrumentos para conduzir Suas decisões secretas, entretanto, de uma maneira incompreensível, Deus assim opera neles, e através deles, ao restringir sem, todavia, contaminar-Se com o seu vício, porque a sua malícia é usada num justo e correto caminho para um bom propósito, apesar da maneira como é feito, muitas vezes para nós isto é ocultado.

Eles agem ignorantes e com calúnias, ao dizer que Deus se torna o autor do pecado, se todas as coisas ocorrem pela Sua vontade e ordenança; pois, não distinguem entre a obstinada depravação dos homens e os ocultos desígnios de Deus.

Extraído de B.B. Warfield, Studies in Theology, pp. 193-194

Confissão [de Fé] dos Estudantes de Genebra de 1559

Eu confesso que Deus criou não somente o mundo visível, ou seja, os céus e a terra e tudo o que nele há, mas também os espíritos invisíveis, alguns dos quais continuaram em sua obediência, enquanto outros pela sua própria falta caíram em perdição: e que a perseverança que estava nos anjos veio da gratuita eleição de Deus, que continuaram em Seu amor e bondade, que lhes concedeu uma constância imutável para sempre persistirem no bem. Assim, eu detesto o erro dos Maniqueus que imaginam que o demônio é mal por natureza, e tem sido origem e princípio de si mesmo.

Eu confesso que Deus criou o mundo, e continua ao mesmo tempo sendo o seu perpétuo Governador: de modo que nada toma lugar, ou pode ocorrer exceto pelo Seu conselho e providência. Mas, apesar do demônio e os ímpios laborarem para lançar todas as coisas em confusão, como sempre fazem fielmente aos seus pecados, não podem perverter a correta ordem.

Eu reconheço que Deus sendo o supremo Príncipe e Senhor de tudo, torna o mal em bem, dispõe e dirige todas as coisas, e tudo o que eles são por um secreto restringir, de uma maneira maravilhosa, convém que O adoremos em toda a humildade, mesmo que não consigamos compreender como isto acontece.

Eu confesso que somos feitos participantes em Jesus Cristo e de todos os Seus benefícios, pela fé no Evangelho, quando somos assegurados de uma correta certeza das promessas que estão contidas nele: e, isto excede a todas as nossas forças, e que somos incapazes de alcançá-las, a não ser pelo Espírito de Deus; e assim, que isto é um dom especial, não sendo comunicado, senão aos eleitos que foram predestinados antes da criação do mundo para a herança da salvação, sem considerar a sua dignidade ou virtude.

Fonte: B.B. Warfield, Studies in Theology, pp. 194-195
Nota: o Dr. B.B. Warfield extrai este texto da Opera Calvini, vol. IX, pp, 721-726